Esta tarde, Senhor, estou sozinho.
Na igreja, pouco a pouco, os ruídos se calaram,
Foi-se embora toda a gente,
E eu voltei para casa,
Passo a passo,
Sozinho.
Cruzei com gente que voltava de um passeio.
Passei pelo cinema: vomitava uma pequena multidão.
Vaguei ao longo dos terraços de cafés onde, cansados, os passeadores tudo faziam para esticar um pouco mais a alegria de viver de um domingo de festa.
Esbarrei nos guris que jogavam bola na calçada,
Os garotos, Senhor,
Os filhos dos outros, que não serão nunca os meus.
E aqui estou, Senhor,
Sozinho.
O silêncio me dói
A solidão me oprime.
.....................................
Tenho 35 anos, Senhor,
Um corpo feito como os outros corpos,
Braços moços para o trabalho,
Um coração reservado para o amor,
Mas tudo isto te dei.
É verdade que de tudo precisavas,
Tudo te dei, mas é duro, Senhor,
É duro dar o próprio corpo: ele queria dar-se a outros.
É duro amar toda gente e não possuir ninguém.
É duro apertar u’a mão sem poder retê-la.
É duro fazer que brote uma afeição, mas para dá-la a Ti.
É duro nada ser para si mesmo, a fim de ser tudo param eles.
É duro ser como os outros, entre os outros e ser um outro!
É duro dar sem cessar, sem procurar receber.
É duro ir ao encontro dos outros, sem que jamais alguém venha ao nosso encontro.
É duro sofrer os pecados dos outros, sem poder recusar acolhê-los e carregá-los.
É duro receber os segredos, sem poder compartilhá-los.
É duro arrastar os outros sem cessar e nunca poder, um instante sequer, deixar-se arrastar pelos outros.
É duro sustentar os fracos sem poder apoiar-se sobre um forte.
É duro estar sozinho.
Sozinho diante de todos.
Dozinho diante do mundo.
Sozinho diante do sofrimento, do pecado, da morte.
***
Não estás só, meu filho,
Estou contigo,
Eu sou Tu.
Eu precisava, na verdade, de uma humanidade a mais para continuar minha Encarnação e minha Redenção.
Desde toda a eternidade, eu te escolhi.
Eu preciso de ti.
Preciso de tuas mãos para continuar a abençoar,
Preciso de teus lábios para continuar a falar,
Preciso do teu corpo para continuar a sofrer,
Preciso do teu coração para continuar a amar,
Preciso de ti para continuar a salvar,
Fica comigo, meu filho.
***
Senhor, eis-me aqui:
Eis meu corpo,
Eis meu coração,
Eis minha alma.
Faze-me bastante grande para atingir o mundo.
Bastante forte para carregá-lo,
Bastante puro para abraçá-lo, sem querer guardá-lo.
Faze que eu seja um ponto de encontro, sim, mas ponto de passagem.
Caminho que não prende para si próprio, porque nele não há nada de humano a encontrar, nada que não conduza a Ti.
Esta tarde, Senhor, enquanto tudo em volta silencia, dentro do meu coração sinto morder duramente a solidão.
Enquanto meu coração uiva longamente sua fome de prazer,
Enquanto os homens devoram-me a alma e eu me sinto impotente para saciá-los,
Enquanto sobre meus ombros pesa o mundo inteiro, com todo seu peso de miséria e de pecado,
Eu te repito o meu SIM,
Não às gargalhadas, mas lentamente, lucidamente, humildemente.
Sozinho, Senhor, sob teu olhar,
Na paz da tarde ...
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